Viajo porque preciso, volto porque te amo.

10 07 2010

A imagem da estrada solitária e atravessada pela luz amarela dos faróis do carro marca o começo do filme Viajo porque preciso, volto porque te amo, de Karim AïnouzMarcelo Gomes.  A visão contínua do asfalto é acompanhada pelo som do rádio e da voz interna do personagem, que, nos seus pensamentos, reclama da monotonia de uma longa viagem a trabalho.

Assim, como em boa parte dos filmes do gênero conhecido como Road Movies, ou Filmes de Estrada, a viagem do geólogo José Renato para o interior do nordeste torna-se o fio condutor da história. Porém, esta ganha maior complexidade à medida que o geólogo, à principio designado para fazer um relatório para embasar a construção de um canal na região, vivencia a realidade local levando em conta a sua situação no presente, as memórias do passado, e os seus questionamentos quanto ao futuro.

Diante das paisagens áridas, isoladas, pouco habitadas do sertão nordestino, José Renato não esconde a sensação de tédio e solidão que esse contato o provoca. Todo esse desconforto adquire maior sentido quando ele revela sentir saudade da ex-mulher, e lamenta a dura constatação de estar só, após recente separação. É a solidão contundente que o aperta, o faz confrontar-se com os seus sentimenos, e a sua passagem pelo interior do nordeste também acentua esse processo, pois, como ele, aqueles lugares e as pessoas que encontra também parecem estar em plena situação de abandono.

Dessa forma, José Renato vive a viagem como uma experiência intensa e desconfortável em muitos momentos. Enquanto segue com a sua pesquisa de campo para avaliar uma possível construção futura, a partir da alteração do curso do principal rio da região, ele nota como essa mudança pode impactar significativamente a vida  dos habitantes, trazendo benefícios e prejuízos para a população. Percebe-se como o personagem começa a se envolver com as consequências da criação do canal, que poderia varrer do mapa moradias inteiras e com elas as histórias particulares da cada um.

Suas observações são cuidadosamente registradas em fotografias e vídeos, o que confere um forte caráter documental que impregna o filme. E as imagens, às vezes intencionalmente amadoras, são a prova do seu olhar atento e subjetivo, que se revela com sutil poesia.

A trilha sonora também merece atenção. Impressionante como os diretores conseguem utilizar as famosas canções dor-de-cotovelo, entre elas a conhecida “Morango do Nordeste”, sem soar piegas. Assim como em O céu de Suely (2006), as músicas em Viajo porque preciso, volto porque te amo (2009) enfatizam as situações vividas pelo personagem principal. Sendo, uma que se destaca, neste último, a bela canção “Último desejo”, composta por Noel Rosa, cuja letra é minuciosamente lembrada pelo pesquisador enquanto segue estrada adentro.

(fotos: divulgação)